Dr Plim

Thursday, May 19, 2005

Tu - Petro, Eu - Petro

Avo: Tu Petro
Todos os meus amigos continuaram a ladrar.
Eu, sem pensar, fechei a boca, olhei para o velho agachado a minha frente.
Avo: Tu Petro. Tu es Petro.
Os seus olhos fixados nos meus, eu olhando para alem do horizonte. Pela primeira vez na minha vida eu me sentia confuso, supreendido, curioso e muitissimas outras sensacoes, nenhuma das quais eu tinha uma palavra para classificar.
Pela primeira vez na minha vida eu estava desperto.

O velho foi falar com a senhora simpatica que ajudou a minha mae durante o parto e que agora me dava de comer todos os dias sem falta. Com um dedo encardido de arrancar batatas ele apontou para mim e dirigio umas palavras a senhora, depois trocaram uns papeis e apos uns minutos estava eu e o velho a caminhar pela estrada. O velho falava e falava, eu, pela primeira vez, ouvia.

Essa e a primeira memoria que, como um filme, eu vejo a ser projectada no ecra da minha mente. Agora sim sei que e verdade, quando um esta a morrer a sua vida e lhe exposta como uma curta-metragem. Morto, ou morrendo, eu caminho com o meu melhor amigo (ele nunca se via como sendo meu dono) o velho, o avo.

Outras memorias passam no ecra.
Vejo as caras de todos os homems e mulheres que eu vi durante a minha vida.
As caras das criancas que jogavam comigo no parque junto ao, e por vezes dentro do, lago.
As caras dos velhos alcoolicos que me agrdiam com os seus pontapes mal direcionados e as suas garrafas vazias.
A cara da unica mulher por quem eu me apaixonei.
E a cara do David, primo do neto do meu velho, embutida no asfalto, sangre nascendo pelo seu cabelo jovem e invadindo a estrada vazia.

O David teve a coragem de saltar desde o quarto piso mas nao de olhar para o chao. A medida que caia ele olhava para o ceu assim que foram os seus pes, pes jovens de ossos ainda frageis, que alcancaram primeiro o cimento quente desse dia de verao.
Pela sua cara ainda se podia reconhecer o David e ate parecia que ele sorria... pode ser que o sorria por finalmente estar livre dos abusos sexuais do tio... dessas maos gordas, dos dedos curiosos.
Esse foi, provavelmente, o dia mais impressionante da minha vida. Caminhava com o meu velho e o seu neto e sentia-me inundado por uma fortissima sensacao de paz e tranquilidade. Lembro-me bem do cheio a taboco vindo da boca do neto, da humidade quase sufocante que antecede a chuva pesada, essa humidade que te abraca. E o por-do-sol mais espectacular que poderia imaginar. O horizonte inventava cores, misturas de amarelo, vermelho, violeta, verde, azul...
Foi um dia em que muitas horas de meditacao (o meu velho insitiu em que eu praticasse duas vezes por dia) deram fruto- tanta lucidez.

Mas o mais fascinante desse dia foi a personagem luminosa, e o seu cao, que eu vi. No momento em que toda a familia chorava junto ao David (obvio que nao sabiam das molestias do tio) saiu de um camiao esta criatura.
Cabelo comprido, muito comprido, que se juntava a barba espessa.
Pele escura, queimada por mil sois do desert do Sahara.
Magro, fragil, ele saiu do camiao e, com uma mala na sua mao direita, se aproximou de nos os tres. Uma mala que continha as mais variadas drogas que se podia imaginar.
Isto foi o que o neto me contou, eu e o meu velho so vimos uma forma radiante a aproximar-se e, sem ele abrir a boca, ouvimos palavras e frases sabias e sucintas falando e dando instruccoes acerca do o fim do mundo. Ao virar as costas, a luz radiante desapareceu e o meu velho segurava um charuto de marijuana entre os dedos.

Despertamos, eu e o velho, do nosso trance, com o som da ambulancia a travar bruscamente e a colidir contra algo.

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